Quais são as experiências de leitura que mais marcam a vida de uma pessoa? Qual o verdadeiro impacto que o ato de ler tem sob um indivíduo? De que maneira as primeiras histórias, contadas talvez no ambiente familiar, contribuíram para tornar (ou não) alguém leitor? E a escola, qual seu real papel na formação de leitores críticos?

Discorrer sobre o ato de leitura talvez seja adentrar em um universo repleto de sensações e ideias inominadas, uma vez que cada leitura traz consigo uma carga de subjetividade que provavelmente não poderá ser teorizada em sua totalidade ou estudada sob a luz da ciência. Ler é, senão, um ato particular e múltiplo ao mesmo tempo.

Há leitores que se descobrem na infância e ingressam no jogo da leitura, para outros, é no ambiente escolar que se iniciam as práticas de leitura mais significativas, momentos nos quais há a descoberta de instigantes e desbravados sonhos impossíveis. E há também aqueles que afirmam não gostar de ler, elencam alguns motivos para sua aversão à leitura e seguem, sem um livro nas mãos.

Talvez ler seja um jogo perigoso, a exemplo da história de um sujeito com cerca de 50 anos chamado Alfonso Quejana, um fidalgo espanhol sem muitas posses, que vivia em algum lugar da Mancha. Este fidalgo, porém, não cultivava os prazeres de sua classe social, preferia ler livros de cavalaria: a paixão pelos livros era tanta que chegou a vender suas terras para comprar mais e mais volumes desse gênero. Envolvido pela leitura, passava noites em claro, e “[…] do pouco dormir e do muito ler, secou-se-lhe o cérebro, de maneira que veio a perder o juízo”. (CERVANTES, 2002, p. 27). Esse sujeito resolveu mesclar sua vida ao universo dos livros e proclamou-se Dom Quixote.

Miguel de Cervantes Saavedra é o autor desse imortal personagem, protagonista da obra O engenhoso fidalgo Dom Quixote de la Mancha, publicada em 1605. O escritor retratou de modo irônico e paródico o período de conflitos religiosos entre a Reforma e a Contra-Reforma, e mesmo que ideologicamente os dois grupos divergissem, ambos condenavam a leitura. Martinho Lutero apoiava a leitura individual da Bíblia, mas denunciava os perigos de lê-la em edições de língua vernácula. A Igreja reagiu contra os hereges, reativando o Tribunal do Santo Ofício e interditando ou até mesmo queimando textos proibidos. Na obra de Cervantes, o barbeiro e o cura da cidade invadem a biblioteca do fidalgo e queimam todos os livros considerados causadores da loucura de Alfonso Quejana. Para esse personagem, a leitura se tornou um jogo perigoso demais.

Há leitores por todos os cantos, em cada esquina é possível encontrar alguém lendo a última notícia dúbia de um jornal sensacionalista, uma história de vida compartilhada em uma rede social, uma narrativa sobre um homem que acorda certa manhã, metamorfoseado em um inseto. Há leitores que sequer se sabem leitores, confinados a suas leituras do dia a dia. Talvez desinteressados por certos gêneros, acostumados às leituras que propiciam um prazer instantâneo e efêmero. É papel social de cada leitor convidar para o jogo da leitura mais um jogador, ensinar-lhe as regras básicas e permitir que ele mesmo se perca e se encontre nas palavras.

Vamos jogar?

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